As mudanças que acontecem na vida, nem sempre acontecem pela nossa vontade e decisão. Acontecem coisas boas que nos fazem mudar, mas acontecem também coisas menos boas que nos obrigam a mudar (e muitas vezes é para melhor). É inevitável não os fazermos, mas relembramos com a Ana que os planos são assuntos delicados, que a vida tem o seu jeito de nos levar para o caminho que quer, quando quer.
“… não controlo a vida. Bolas, tem custado a aprender mas é a lição que cá está. E que só sofro mais se tentar controlar. Não é possível. A vida – viver – é dura, tem coisas menos boas. Sofremos. Lutamos todos os dias. Mas tem coisas maravilhosas. É um milagre.”
Ana Soares
Quem é a Ana?
Já fui outra coisa mas neste momento sou uma quarentona a lidar com os 40, com tudo o que isso implica e com esse processo de mudança. Sou essencialmente uma aluna de Yoga aplicada, alguém que procura uma vida mais saudável por questões de saúde e que lida diariamente com os seus desafios como toda a gente. Alguém que está a tentar muito – finalmente – deixar de ser jovem e ser uma mulher adulta.
Em criança, quais eram os teus sonhos para a vida adulta?
Talvez por influência das bandas desenhadas que lia do super-homem e do homem-aranha, sonhei sempre em trabalhar em jornais. Escolhi a formação de Designer Gráfico e direccionei o meu percurso para os jornais diários. Cumpri esse sonho.
A meio do caminho sonhei outra coisa. Sempre pratiquei Yoga e sempre foi um local, espaço, tempo em que fui (sou) verdadeiramente feliz. A dada altura dei por mim a dizer: um dia quero passar todo o tempo no tapete.
Referes no teu site, Inspira.Yoga, que descobriste o Yoga em 1999. Quem era a Ana no período anterior?
Antes de descobrir o Yoga – e continuo a descobrir – era uma jovem sem pés na terra e com a cabeça na lua. Não tinha muito foco mas era e sempre fui extremamente funcional.
Nessa altura, estavas a desempenhar alguma actividade profissional?
Trabalhava como Designer Gráfica. Na altura julgo que no jornal “A Capital” ou estava a trabalhar como freelancer. Por aí.
O que te fez querer fazer a formação de instrutora de Yoga? Avançaste com esta ideia por quereres dar aulas de Yoga e reconstruir a tua vida profissional, ou simplesmente foste à procura de uma forma de te descobrires a ti mesma?
Como dizia, a dada altura era tão feliz a praticar que queria que isso fosse a minha vida. Entrei na formação para crescer enquanto praticante e porque tinha um sonho lá mais para a frente de um dia dar aulas. Quis a vida (a doença) que a minha vida profissional nos jornais chegasse ao fim exactamente quando estava a meio da formação. Uma coisa levou à outra. Não sei mas acho que não houve um plano. Em 2016 com o diagnóstico da doença, acabaram-se os planos.
Porquê o nome de Miss Ansiedade?
Estou diagnosticada há 3 anos mas estou convencida que já tinha a doença manifestada há outros 3, 6 no total, portanto. Nos primeiros 3 anos tinha muitos sintomas, muitas queixas. Andei de médico em médico e o diagnóstico foi sempre: stress, ansiedade. Aliás, cheguei a ser medicada. Quando o diagnóstico chegou, curiosamente, chegou a paz no meio da guerra.
Entretanto já era a Miss Ansiedade. Foi o meu marido que me baptizou.
Em 2016 foste diagnosticada com Esclerose Múltipla, numa altura em que deverias estar a terminar a formação de instrutora de Yoga. Como foi a relação entre o Yoga e a EM?
O Yoga ajudou-me a recuperar do valente surto que levou ao diagnóstico. Fiquei com o lado direito comprometido, dos pés à cabeça. Também devido aos exames e à medicação que fiz, no 1º, 2º mês após o internamento estive quase sempre deitada.
Tentei ir para o tapete e caí mas logo que consegui estar mais estável de pé, fiz uma aula. Depois fiz em casa. O Yoga dá-me tudo o que a doença tenta tirar – e ameaça tirar a médio-longo prazo: equilíbrio, energia, ânimo.
Na prática desafio o meu corpo a estar presente e a reagir, o que no dia a dia é exactamente tudo o que ele não quer fazer. Para além disso, a EM é uma doença muito depressiva e o Yoga ajuda exactamente estados de depressão e ansiedade.
Sou mesmo feliz no tapete. Mesmo quando vejo as minhas dificuldades de ano para ano a mudarem.
Grande parte das pessoas sentem que houve um momento no seu passado em que a vida mudou. Esse momento, na tua vida, foi o diagnóstico da EM?
Sem dúvida. Fui diagnosticada com 38 a fazer 39. A somar, no caminho fiz 40. Descobri, com ambas as coisas, a minha mortalidade e a mortalidade dos meus. Ainda estou a processar.
A minha vida mudou para melhor, embora todos os dias sem excepção, haja alguns minutos em que fico zangada e triste por ter EM.
O que é que o Yoga te ensinou?
Ainda ensina, todos os dias sempre que piso o tapete. Ensina-me tranquilidade, resiliência, paz. Ajuda-me a ter equilíbrio (emocional mas muito físico). Ensina-me a lidar com os desafios.
Não quero dizer com isto que aprendi, continua a ensinar.
E neste momento concreto, para alguém com EM, cada prática feita é simplesmente uma vitória.
O que é que a EM te ensinou?
Que não controlo a vida. Bolas, tem custado a aprender mas é a lição que cá está. E que só sofro mais se tentar controlar. Não é possível. A vida – viver – é dura, tem coisas menos boas. Sofremos. Lutamos todos os dias. Mas tem coisas maravilhosas. É um milagre.
Neste momento és professora de Yoga a tempo inteiro ou manténs outra actividade?
Só professora a part-time, não tenho energia para mais e dou prioridade às minhas aulas enquanto aluna.
Como defines a palavra liberdade?
Saúde. Mas também harmonia com o nosso corpo físico e emocional. Cada vez que o nosso corpo é um entrave à nossa vida, não há liberdade.
Tens algum livro, ou outro recurso, que queiras recomendar a quem neste momento está a mudar a sua actividade profissional, a sua vida, ou a seguir o que sempre sonhou?
Não tenho nenhum em particular mas procurei muitas histórias e exemplos semelhantes. Ler muito sobre exemplos de outras pessoas, principalmente mulheres, ajudou-me a ter coragem e calma. Alguma pelo menos.
Se te pedisse para fechares os olhos e pensares em ti daqui a 10 anos, o que vês?
Não consigo projectar-me para o futuro. Ando aliás em terapia para resolver isso. Baby steps. A doença deixou marca: eu tinha planos, tudo “controlado” e um dia entrei no hospital e quando saí, tudo tinha mudado, para sempre. Percebi há uns tempos atrás que tinha dificuldade em fazer projectos para o futuro. Coisas tão simples como projectar pendurar os quadros na parede… por isso não sei. Mas o Yoga estará na minha vida sem dúvida.